A Primeira Eleição Marketizada no Brasil - Celso Azevedo para prefeito de BH
em 1954.
Em 1954, dois candidatos
polarizavam a disputa pela Prefeitura de Belo Horizonte: Amintas de Barros,
pelo PSD e Celso Azevedo, pela UDN. Foi o ano do suicídio de Getúlio Vargas,
que estava em plena glória, mas também em pleno combate, um ano marcado por
grande comoção política. Juscelino Kubitschek, na época governador de Minas,
também estava em plena glória. Amintas de Barros era tido como imbatível por
ser o candidato de Juscelino e de Getúlio.
A UDN resolveu lançar outro
candidato. Então, fui chamado pelo Magalhães Pinto, que me fez um pedido com
ceticismo: “Veja que propaganda você pode
fazer para o Celso não perder muito feio...” Celso Azevedo tinha também o apoio
de um pequeno partido, o PDC, Partido Democrático Cristão. A eleição ia
acontecer em um prazo de cinco semanas.
Restou-me a improvisação. Eu
nunca dispensei a pesquisa porque sempre fui um repórter. Procurei alinhar as
informações a respeito do Celso Azevedo. Ele era um jovem engenheiro de 40
anos, nunca havia ocupado cargos públicos e era muito tímido. Sabia fazer as
coisas, mas não sabia falar em público. Era um homem de bem, o currículo dele
podia ser resumido nisto. Amintas de Barros era um político populista do velho
estilo, gostava de tomar uma "cachacinha" como o povo, uma pinga
mineira; orador inflamado; brilhante criminalista e uma figura muito conhecida
em Belo Horizonte, principalmente por suas participações nos júris populares.
Dizia-se, então que Amintas não podia perder. Tinha o apoio de JK e de Getúlio,
num ano marcado pelas campanhas contra o golpe. E tinha o apoio do PSD mineiro,
talvez um dos partidos mais fortes da hitória brasileira e do PTB de Vargas. O
que podia fazer Celso Azevedo?
Eu perguntava às pessoas um pouco
"mineiramente": "Escuta aqui, eu sou de fora, estou de passagem,
sou um caixeiro viajante. Estou ouvindo falar da eleição, da campanha ... Me
fala aí, quem você acha que vai ganhar?" Diziam: "Tem o Amintas de
Barros, esse é o certo. Tem também um outro para fazer páreo." Depois
apareceu um outro candidato, mas não teve importância. Conseguimos polarizar a
eleição entre Amintas de Barros e Celso Azevedo.
Descobrimos, numa pesquisa, que
Belo Horizonte nunca havia tido um prefeito natural da cidade. Portanto, seria
o primeiro filho de Belo Horizonte a governar sua cidade natal. Era o lado que
poderia ser explorado do ponto de vista emocional.
Nós procuramos tirar partido daí.
Uma pesquisa entre o povo – com os motoristas de táxi e os barbeiros, que eram
fontes de informação – me levou à seguinte conclusão: a única qualidade de
Celso Azevedo que podia ser explorada, era o fato de ele ser um engenheiro. Eu
perguntava às pessoas: "Esquecendo o nome, esquecendo o candidato, você
escolheria entre um político, que é um advogado brilhante, ou um engenheiro?
Quem você acha que pode resolver os problemas da sua rua, do seu bairro, da sua
cidade?" A maioria das pessoas respondia que preferia o engenheiro.
Nós
chegamos à conclusão que, numa eleição, as pessoas estão interessadas, sobretudo,
na sua rua, no seu bairro, na sua cidade. O aspecto partidário, as ligações
ideológicas, nada disso tem importância. Então eu imaginei que as pessoas tinha
que decidir entre um engenheiro, que podia resolver os problemas da cidade, os
problemas do bairro, e um político. Posso dizer que essa foi a primeira
campanha de posicionamento: o engenheiro de um lado, o político de outro.
Para (não) Finalizar
A campanha ocorreu em três
semanas. Fizemos uma série de anúncios. O primeiro deles dizia: "Os
problemas de Belo Horizonte são problemas seus, mas são problemas técnicos.
Confie sua solução a um técnico, a um engelheiro, a um homem capaz: Celso
Azevedo". Esse era o termo fundamental da campanha. Descobriu-se também
que o povo tinha aspirações muito concretas. Então, a nossa proposta ao Celso
foi que ele não fizesse promessas muito grandes, que a campanha girasse em
torno de algumas propostas aceitáveis: o povo não gostava de grandes promessas,
porque elas perdem credibilidade.
Ele concentrou sua plataforma em
torno de dois itens: o problema de transporte coletivo para os bairros mais
distantes e o problema de calçamento de algumas ruas. Com calçamento, o
transporte poderia chegar mais longe. Mas não era calçamento de asfalto! Ele ia
para os bairros, fazia pequenas reuniões e explicava como calçar aquela rua com
pé de moleque – um sistema anterior ao paralelepípedo, que os escravos mineiros
adotavam no calçamento das velhas cidades.
Se o transporte não chegava
porque não havia uma ponte, ele fazia uma exposição simples de quantos sacos de
cimento, quilos de ferro, vergalhões, e de quanto tempo de trabalho seriam
necessários para contruir aquela ponte. Ele ganhava credibilidade do eleitor
mostrando que sabia fazer as coisas, que sabia resolver os problemas.
O resultado dessa campanha foi
realmente inesperado. Ela teve apoio no rádio com um jingle que se tornou
extremamente popular. Ele tinha uma letra criada por mim e musicada pelo Sinval
Neto. Dizia assim: "O povo reclama com razão / minha casa falta água /
minha rua não tem pavimentação / Mas não basta reclama, meu senhor / é preciso
votar no prefeito de valor". Era uma letra simples, mas abordava
exatamente uma coisa: que não bastava reclamar, era preciso votar, era preciso
fazer uma escolha. Foi feito um programa de informação no rádio, convidamos o
povo, não para os grandes comícios, mas para reuniões em que Celso mostrava
como resolver os problemas sem discursos. Sem grandes discursos e sem grandes
promessas; só aquelas em que o povo pudesse acreditar.
De propósito, nós esquecemos o
outro candidato. Achamos que devíamos fazer campanha a favor do Celso Azevedo e
não contra o Amintas de Barros. Eu nunca ocupei o nosso tempo e a atenção do
nosso ouvinte, do nosso eleitor, com histórias sobre o adversário. As histórias
sobre o adversário sempre colaboram contra nós. Foi o esquema que deu certo.
Diziam que Amintas não podia
perder porque tinha o apoio de Getúlio Vargas no ano do seu suicício. A eleição
foi em outubro. Em julho, três meses antes da eleição, Vargas foi a Belo
Horizonte e foi fotografado abraçado com Amintas de Barros. Em agosto, o
presidente se suicidaria. O PSD mineiro e o PTB exploraram esse fato, lançando
um folheto que mostrava a foto com a seguinte legenda: "Um voto no Amintas
é uma pétala de rosa no túmulo de Getúlio". Isso era uma exploração
sentimental enorme. E nós não podíamos combater Getúlio; ele estava morto!
Para concluir, em três semanas de
campanha, Celso Azevedo foi eleito por maioria absoluta. Quando Amintas se deu conta
e quis reagir, já era tarde. Esta, em resumo, é a primeira de uma campanha de
Marketing eleitoral.
Na minha opinião, o voto é marketing
na medida em que você leva a mensagem do candidato ao conhecimento de muitos.
Muitas vezes, o candidato é
desconhecido de muitos; outras, uma de suas faces ou ideias é desconhecida.
Então, é preciso projetar o conadidato e tentar fazer com que suas ideias sejam
focalizadas. O marketing tem esse valor. Foi o ano do suicídio de Getúlio
Vargas, que estava em plena glória, mas também em pleno combate, um ano marcado
por grande comoção política. Juscelino Kubitschek, na época governador de
Minas, também estava em plena glória. Amintas de Barros era tido como imbatível
por ser o candidato de Juscelino e de Getúlio.
Por: João Moacir de Medeiros
João Moacir de Medeiros tem trajetória marcante na história da Propaganda brasileira. Fundou em 1950, e dirigiu por 40 anos a JMM Publicidade, uma das mais importantes agências nacionais. Este texto é uma transcrição de sua conferência no I Seminário "Voto é Marketing?" da UFRJ, 1992. Vou contar uma história que se tornou a primeira campanha de Marketing Político no Brasil.
PACHECO, Cid (Org.) et al. Voto é Marketing?: primeiro seminário de marketing político e eleitoral. Rio de Janeiro: UFRJ/ECO/COM/NUMARK, 1993. 255 p.
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